Rússia e Turquia lançam alternativa conjunta ao South Stream
Novo duto excluirá participação da União Europeia e da Ucrânia no
transporte de gás, resultando em perdas financeiras e políticas.
Paralelamente, relações Rússia-Turquia excluem diferenças em relação à
reanexação da Crimeia e entram em fase promissora.
Nesta segunda-feira (1), o presidente Vladímir Pútin esteve em Ancara,
na mais curta viagem oficial da história das relações russo-turcas. Mesmo assim, os
resultados do encontro não foram menos
importantes: os países não só acertaram a construção de uma usina nuclear, estimada
em US$ 200 milhões, mas também um gasoduto que transformará a Turquia no maior
núcleo regional de energia. Este servirá de alternativa ao South Stream, cujo
projeto foi abandonado por Moscou.
“Foi a primeira vez desde os tempos de Ataturk que um dirigente turco
falou com entusiasmo das relações Rússia-Turquia e, paralelamente, com profundo
desagrado pelos países ocidentais, a quem rotulou de agressores e gananciosos
face ao mundo islâmico”, disse à
Gazeta
Russa Vladímir Avatkov, professor da Academia Diplomática do Ministério dos
Negócios Estrangeiros russo. “A imprensa turca chamou o evento de ‘encontro de
duas solidões’”.
Durante uma coletiva de imprensa após a reunião, Pútin anunciou que a
construção do gasoduto South Stream, com capacidade para mais de 60 bilhões de
metros cúbicos de gás por ano, fora cancelada. “Estamos assistindo a
dificuldades para materialização do projeto. Já que a Europa se desinteressou,
não irá adiante. Não é nada de especial, afinal, são eles os compradores”,
afirmou o presidente russo.
Como alternativa, foi assinado um memorando sobre a construção de um
gasoduto que cruzará o mar Negro com destino à Turquia, pelo qual correrão os
mesmos 60 bilhões de metros cúbicos anuais planeados para o South Stream, dos
quais 14 bilhões serão destinados à Turquia, e o restante para a Grécia.
Para a Rússia, não há grande diferença nos dois projetos. Ambos
resolvem um problema-chave – retiram da circulação do gás a Ucrânia, e os
custos mantêm-se relativamente iguais. Moscou, contudo, se viu obrigada a
conceder à Turquia um bônus por sua colaboração, baixando o preço do gás em 6%
– visto por especialistas “um custo aceitável”, levando em conta a envergadura
do projeto.
Já Bruxelas, recebeu a notícia com surpresa, uma vez que o cancelamento
do South Stream representa perdas financeiras e políticas. Em primeiro lugar, alguns
países deixam de lucrar com a passagem do gasoduto. Este é o caso da Bulgária,
que perderá US$ 400 milhões ao ano. Além disso, a Turquia se torna um núcleo energético,
através do qual a UE receberá hidrocarbonetos da Rússia, Azerbaijão e,
futuramente, do Irã. O controle sobre esses fluxos dará a Ancara mais segurança
nas conversações, sobretudo em discussões relacionadas à entrada da Turquia
para a UE.
Gás nas relações
Os acordos recém-assinados demonstram, acima de tudo, o desejo de
aproximação entre a Rússia e a Turquia. A construção da central nuclear de Akkuiu
pode se tornar um símbolo de progresso nas relações bilaterais. “O projeto é
inédito: é o primeiro a ser construído obedecendo ao princípio ‘pague, possua e
explore’, sendo a empresa russa a proprietária da usina”, declarou Pútin. As
obras do projeto devem ser concluídas em 2022.
Observadores russos garantem, entretanto, que Ancara não tem intenção
de tirar partido da atual situação da Rússia e continuam respeitando os
interesses de Moscou na Transcaucásia. “A posição da Turquia é bem previsível:
manutenção da aliança com o Azerbajão, preservação de sua forte influência na
Geórgia, tanto econômica, como humanitária, e equilíbrio nas relações com a
Armênia. A Turquia não se está expandindo na região”, afirmou à
Gazeta Russa Nikolai Silaiev, acadêmico
do
Instituto Estatal de Relações
Internacionais de Moscou.
Além disso, a Turquia negou apoio à linha
antirrussa do Congresso do Povo Tártaro da Crimeia. “Após o referendo da
Crimeia e sua reanexação à Rússia, as autoridades turcas se esforçaram para
promover a ideia da total ilegalidade desses acontecimentos. A Rússia foi
acusada de agressão e desrespeito dos direitos dos tártaros da Crimeia no contexto
da política turca nos últimos anos”, disse Avatkov. “Porém, gradualmente, a propaganda antirrussa,
tendo como pano de fundo a Crimeia, começou a perder força na mídia turca. O
país começou a dar prioridade à cooperação econômica, incluindo a eventual
participação de empresários turcos na zona econômica livre da Crimeia.”
Confira outros destaques da Gazeta Russa na nossa página no Facebook